Quando a gente decide sair do próprio país, sabe que vai ganhar muitas coisas: experiência de vida, novos horizontes, maturidade. Mas também sabe que vai perder muita coisa, como a familiaridade com o jeito como tudo funciona e o convívio próximo com amigos e parentes. Nunca é fácil ir para longe. Menos ainda quando se migra para um lugar onde não se conhece ninguém, como foi o meu caso aqui na Escócia. Se a aventura inclui filhos, o desafio ganha outra dimensão, porque você não apenas tem que se adaptar, mas também tem que criar um ambiente que facilite a adaptação deles. E isso significa, principalmente, fazer amizades.

Eu já fui imigrante outras vezes, e sempre achei fácil fazer amizades novas. Eu era mais jovem e nunca vi isso como um problema. Mas essa é a primeira vez que me vejo em outro país como mãe, e isso muda as coisas completamente.

Eu percebi que, nessa fase da vida, com filho pequeno e menos disponível para badalações, as relações têm que ser mais maduras, mais práticas, e essas são mais difíceis de construir. Percebi também que a falta que sinto das pessoas que deixei no Brasil vai além da saudade delas em si (que é enorme), porque inclui também o papel importante que amigos geralmente desempenham uns nas vidas dos outros: o de ser uma rede de apoio. E é incrível a importância que essa “rede” tem quando há crianças envolvidas. Quando li o ditado “It takes a village to raise a child”, eu ainda não era mãe, e ele não fez muito sentido para mim. “É preciso uma vila para criar uma criança”. Hoje enxergo a verdade nisso. Crianças precisam de outras pessoas, além de pai e mãe. Precisam ter por perto outros adultos em quem podem confiar. Precisam de tios, tias, avós, primos, amigos dos pais, filhos dos amigos dos pais. Crianças precisam de uma vila.

Pedro, aos 4 anos, feliz morador de um pequeno vilarejo escocês.

E, apesar de a tecnologia ajudar imensamente a matar a saudade das pessoas, não conseguimos trazer nossa vila conosco. Podemos fazer chamadas de vídeo e conversar todos os dias com quem ficou longe, mas nunca vai ser a mesma coisa que uma tarde comprida em família ou um jantar entre amigos. Não se tem o calor humano, nem a prontidão. Minha “rede” do Brasil não pode aceitar um convite de última hora para um passeio, ou me ajudar se eu precisar que alguém busque meu filho na escola porque tive algum acidente de percurso, por exemplo, ou porque peguei uma virose terrível e mal consigo me levantar da cama. Mães também precisam de uma vila.

Uma colunista da Noruega escreveu, recentemente, no site Brasileiras pelo Mundo, sobre a dificuldade de fazer amizade com os noruegueses, porque eles geralmente constroem relações ainda na infância, e não sobra muito espaço para novas amizades. Eu acho os escoceses bastante abertos e simpáticos, se comparados a outros europeus do norte, por exemplo. Moro em um vilarejo pequeno onde as pessoas parecem ainda mais receptivas. Sorriem mesmo para quem não conhecem, cumprimentam, e puxam assunto quando percebem que sou de fora. São todos muito cordiais e me sinto bem-vinda, mas amizade é um passo além. E nesse passo acho que eles não são muito diferentes dos noruegueses: todo mundo parece bastante ocupado com as relações que já tem, com a agenda social e familiar cheia, sem muito tempo para incluir novas pessoas. Menos ainda se a pessoa vier de uma cultura diferente, porque isso, geralmente, exige um esforço de inclusão ainda maior.

Consequentemente acaba sendo mais fácil fazer amizade com outros estrangeiros, pois são pessoas que também estão querendo construir novas relações de confiança. Não por acaso, a primeira amizade que fiz aqui no meu minúsculo vilarejo foi com uma austríaca. Ela está aqui há mais de 20 anos, e já tem uma ampla rede de apoio e uma família estendida que é daqui. Mas ela lembra o que é chegar em um país novo sem conhecer ninguém. Lembra o que é ter crianças pequenas e querer “uma vila” para elas. Então ela se aproximou de mim, criou situações para me conhecer melhor e me acolheu. É alguém que está perto e em quem posso confiar, e isso não tem preço quando se está tão longe de casa, tentando criar um novo lar em um país distante.

Também é comum que brasileiros no exterior busquem amizades com outros brasileiros. É mais fácil se aproximar de quem entende de onde você veio, e com quem você consegue trocar impressões sobre o novo país partindo de um mesmo ponto de vista. A amizade flui mais fácil, é natural. Eu dou um valor enorme para as relações brasileiras que tenho desenvolvido por aqui, e acho muito importante esse contato. Estar entre conterrâneos é uma forma de estar no Brasil também, de manter esse vínculo que é tão importante, enquanto definidor de quem somos.

Acredito que o tempo facilita tudo, principalmente a amizade com os locais. Aos poucos, vamos construindo relações e conquistando um lugar nas vidas dos outros. Por mais que se ame um lugar, eu acho que só conseguimos nos sentir “em casa”, de verdade, depois de criar essa tal rede, ou seja, quando se olha para os lados e se vê pessoas amigas. Quando se tem uma vila ao redor. Concordam?