Como ser um bom turista na Escócia – e no resto do mundo

Um post assim pode parecer desnecessário pra muita gente, mas infelizmente nem todo mundo sabe ser um bom turista. Tudo bem, afinal, ninguém nasce sabendo e ninguém é obrigado a saber de tudo! Eu mesma já cometi tantos erros, por pura falta de informação, por ignorância mesmo, e me corrigi assim que tive ciência das coisas. Mas vamos ao cenário que inspirou este post:

Clava Cairns é um dos sítios arqueológicos da Idade do Bronze mais bem preservados do Reino Unido, construído há mais de 4000 anos atrás. Além de ser um local de sepultamento, também acredita-se que tenha sido usado em cerimoniais religiosos:

Clava Cairns

Antes visitado apenas por amantes de História e Arqueologia, Clava Cairns tem entrado com frequência em roteiros turísticos de fãs de Outlander desde que alguém resolveu dizer que o local teria inspirado Diana Gabaldon a criar o fictício círculo de pedras Craigh na Dun. Eu acho que isso é pura jogada de marketing turístico, já que Diana só visitou o local bem depois de ter publicado o livro e já mencionou que, se Clava Cairns tivesse inspirado Craigh na Dun, ela teria incluído os cairns (estruturas de pedras) na descrição do mesmo.

Verdade ou não, o local tem recebido um número imenso de visitantes, e muitos deles com comportamentos danosos que causam uma série de preocupações para quem tenta proteger esse sítio arqueológico tão importante. A mídia daqui, volta e meia, relata casos de pessoas danificando estruturas milenares ao subirem nelas, fazerem pichações ou retirarem pedras dos locais.

Para além da falta de bom senso (e educação), essas pessoas muitas vezes não sabem que estão, inclusive, cometendo crimes contra o patrimônio histórico e arqueológico do país. O “Heritage Crime” é levado a sério por aqui, e abrange qualquer atividade criminosa que cause danos a um patrimônio histórico. Construções antigas, ruínas de castelos, monumentos, navios naufragados, estátuas, arquivos históricos e sítios arqueológicos como o Clava Cairns são protegidos pela Lei de Dano Criminal e pela Lei de Proteção a Monumentos Antigos e Arqueológicos, entre outras.

Semana passada, me deparei com o post de uma turista brasileira alardeando, feliz, que levaria “várias pedras” de Clava Cairns, como lembrança. As amigas estavam pedindo. Correndo o risco de parecer “chata” mas acreditando estar fazendo o favor de informar – pois, como eu disse, ninguém é obrigado a saber! – eu pedi a ela que por favor não fizesse isso, avisando, inclusive, que era proibido (se enquadra na categoria “roubo” do Heritage Crime, equivalente na lei a qualquer outro roubo material). A resposta: “Vou levar mesmo assim!!”, e em seguida comentários de “kkkk, é cada uma…. ” e “aff….”, entre outros…

Ou seja, o caso dela não era de falta de informação mas sim defeito de caráter mesmo. Um comportamento de quem acredita que, se não tem ninguém vigiando ou impondo o cumprimento de uma regra, ela pode ser quebrada. E aí a pessoa vem para um país que confia na honestidade e na educação de todos, e faz o que quer. Se cada um que visita Clava Cairns levar uma pedra apenas, em alguns anos não restará nada de um sítio que tem mais de 4000 anos e – ainda! – permanece intacto. Mas isso não interessa pra quem já bateu todas as fotos que queria, pro facebook e instagram, e já levou “várias pedras” para casa. Azar dos que vierem depois. É a malandragem de quem chega antes e sabe ser “esperto”…. ou seja, o tipo de brasilidade que volta e sempre me mata de vergonha.

Só que, infelizmente, ela não está sozinha na falta de educação e no egoísmo. Turistas de todas as nacionalidades se comportam, por vezes, de modo absurdo e desrespeitoso. A mídia, frequentemente, divulga casos assim:

Vandalismo em sítio antigo de sepultamento Clava Cairns: https://www.bbc.co.uk/news/uk-scotland-highlands-islands-40171195

Escócia luta contra danos criminais em construções históricas: https://www.theconstructionindex.co.uk/news/view/scotland-tackles-criminal-damage-to-historic-buildings

75.000 crimes contra o patrimônio cometidos por ano: https://www.telegraph.co.uk/news/uknews/crime/9149420/75000-heritage-crimes-committed-in-a-year.html

Apelo ao público escocês para reportar crimes contra o patrimônio após ataques de vandalismo: https://www.edinburghnews.scotsman.com/retro/scottish-public-urged-to-report-heritage-crime-to-new-group-after-vandalism-attacks-1-4911199

Uma das histórias mais famosas de Clava Cairns é a do turista belga que levou uma pedra de Clava Cairns, “como lembrança”, e acredita ter sido amaldiçoado por isso: http://news.bbc.co.uk/1/hi/scotland/595015.stm

E, uma das mais absurdas, na minha opinião, é essa:

Hordas de fãs de Outlander estão escalando local de sepultamento da Idade do Bronze para realizar sessões mediúnicas: https://www.dailymail.co.uk/news/article-4815484/Outlander-fans-attempt-contact-dead-Clava-Cairns.html

[Para quem está sem tempo de ler tudo: as sessões mediúnicas são para invocar o espírito do James Fraser, personagem FICTÍCIO de Outlander. …!!! Segundo uma testemunha: “Elas entoaram uma canção e começaram a pedir que Jamie viesse até elas. Havia uma tábua Ouija e cristais, e estavam pressionando os rostos contra as pedras, perguntando uma à outra se conseguiam sentir as vibrações que as puxariam para o passado.”… !!!! … 🤣 #semcomentários]

Em outro local bastante visitado, o famoso Fairy Glen (Vale das Fadas), que fica na Ilha de Skye, existe agora uma placa pedindo aos visitantes que, por favor, não movam ou empilhem pedras:

Uma moradora local diz que pediu para um grupo, que estava fazendo dezenas de pilhas de pedras no local, respeitar a regra, e eles a chamaram de “chata” e a acusaram de acabar com a diversão deles.

Aparentemente inocente, a moda de empilhar pedras tem sido acusada de prejudicar o meio-ambiente local, acelerar a erosão e danificar o habitat de espécies silvestres: https://www.countryliving.com/uk/wildlife/countryside/a23332515/stone-stacking-trend-harming-scotland-environment/

A Historic Scotland já está estudando estratégias que permitam proteger melhor alguns dos lugares mais visitados, inclusive o Clava Cairns. O que pode significar, no futuro, a contratação de funcionários para vigiar o local e horários restritos de visitação.

Isso já aconteceu com o Midhope Castle, que foi usado nas filmagens de Outlander como sendo Lallybroch. O acesso era livre, à princípio, e depois passou a ser cobrada uma pequena taxa, paga na farm shop da região (e contando com a honestidade dos que o visitavam). Mas o abuso de alguns turistas fez com que houvesse a necessidade de colocar uma guarita na entrada, contratar funcionários para vigilância, cobrar pelo estacionamento e acesso ao local, e restringir os horários de visitação. Ou seja, quem chega depois acaba pagando pela falta de educação de quem veio antes.

Mas agora que já sabemos como ser um mau turista, vamos às regras básicas – e muito simples – de educação que todo bom turista segue:

  • Não tire nada além de fotos; não deixe nada além de pegadas, não leve nada além de saudade.
Foto: Pixabay
Essa eu aprendi criança, em uma placa na praia da cidade onde eu morava.
  • Lembre-se que você é um visitante

Tente não atrapalhar a rotina de quem mora ali e pode estar com pressa para ir ao trabalho ou à escola. Não espere tratamento preferencial por ser turista.

  • Seja respeitoso(a)

Tenha respeito com as regras e costumes locais. Não é porque você logo vai embora que pode fazer o que quiser. Tenha respeito também pelo locais que visita, pela história, e pela bagagem emocional de cada lugar. Ir em um campo de batalha como Culloden, por exemplo, que possui uma história tão dolorosa, e ficar gargalhando alto e colocando música para fazer vídeos (como já vi fazerem) é desrespeitoso e inconveniente.

  • Evite criticar e reclamar

Ninguém o obrigou a vir, ninguém é obrigado a escutar você reclamar que a comida é ruim ou que as coisas são caras. O garçom e o motorista de táxi não têm culpa se o culinária local não agrada seu gosto ou se o câmbio está ruim. (Falando em serviços, por aqui a gorjeta costuma ser de 10%, principalmente para táxis e em restaurantes – mas estes últimos costumam incluir uma taxa de serviço equivalente.)

  • Não tire proveito do senso de honestidade local

Existem muitas honesty boxes por aqui, do tipo em que as coisas ficam à venda mas sem ninguém para cuidar, e com uma caixinha onde se coloca o dinheiro para pagar o que se pega.

Muitos locais também possuem entrada grátis mas sugerem que se faça uma doação. Sempre que puder, faça a doação, tanto por gratidão como para que continue sendo assim e não precisem passar a cobrar uma taxa obrigatória dos visitantes.

  • Volte sempre!!

Se você já se comporta assim, você é o tipo de turista que vai ser sempre muito bem-vindo!! 😊

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  1. Rebeca Tisian

    Adorei seu texto, muito oportuno num contexto onde “vale tudo se ninguem estiver olhando” ! Ignorancia e maldade tem andado de mãos dadas e os efeitos são desastrosos em todos os níveis e lugares.
    Respeito é a base de tudo sempre, seja com pessoas, lugares, cultura e história!
    E com certeza , sempre que enxergarmos, vermos ou presenciarmos qqr tipo de desrespeito, temos a obrigação e o dever de falar … mesmo que não nos ouçam 🙁

  2. Lucimara

    Primeiramente quero agradecer pelos posts. Eles são ótimos. Mas eu sou suspeita porque AMO a Escócia. Triste saber que a falta de respeito atravessa fronteiras. As pessoas deviam entender que antes de ser cenário para uma história fictícia (por sinal, muito bem escrita por Diana Gabaldon), tudo isso foi palco de uma história real. Uma história muito sofrida até. Isso tudo faz parte de uma cultura de muitos anos e que eles valorizam e preservam. Daí chega uma pessoa “achando” que pode fazer o que quiser. Que pode destruir o patrimônio que não é dela só para satisfazer o ego. Isso é muito triste. Hoje em dia eu sei que o turismo aumentou muito na Escócia justamente por causa da série. Isso é um ponto positivo. Gera recursos. Ajuda o país. Mas existe esse lado da falta de respeito, limite e de consciência do ser humano. É o tipo de atitude que com o decorrer do tempo vai acabar prejudicando aqueles de BOA EDUCAÇÃO. Lamentável.

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