Scone Palace

Como o verão, este ano, caiu em uma sexta-feira 😆, resolvemos dar um rolê por Perthshire, pra fugir das praias lotadas de um dia de 25-26 graus. Parece estranho querer fugir da praia justamente em um dos melhores dias do ano para se ir à praia, mas se vocês, como eu, moram na praia, sabem que é bem nestes dias cheios que a gente prefere nem ir. Privadas de sol e calor pela maior parte do ano, as pessoas vão à loucura quando os termômetros ultrapassam os 20 graus e o sol dá o ar de sua graça. E não pensem, queridos leitores, que a curtição aqui é digna de um país desenvolvido. A praia fica tão imunda quanto lotada (e a regra de distanciamento social é completamente ignorada), fazendo com que os moradores locais tenham que sair para limpar o lixo, no dia seguinte. Garrafas de cerveja, vinho, champanhe, do que for, jogadas pelo chão, pacotinhos de salgadinhos sendo levados pelo mar e, ao fim da tarde, levas e mais levas de jovens voltando da praia, alguns caindo pelas ruas gritando, fazendo cena e achando que arrasam. Porque todos os lugares possuem o seu lado “B” (de “bad”, nesse caso), e a Escócia não é a exceção.

Mas tudo estava lindo e civilizado nos jardins deste castelo que tem nome de pãozinho.

Scone, o pão. Tradicionalmente comido com creme e geleia, durante o chá da tarde, pontualmente, enquanto se comenta as últimas fofocas da família real.
Scone, o castelo. Onde se pode passar um dia inteiro passeando pelos jardins e, em tempos Covid-free, visitar o seu interior.

E sim, é claro que é possível ir até o Scone comer um scone, no café do castelo. Aliás, possível não, é essencial! Então, por favor, comam um scone no Scone, caso passem por lá, e me mandem uma foto para eu morrer de orgulho.

Nota: A pronúncia das duas palavras é um pouco diferente, sendo que o nome do Castelo pronuncia-se "Scun", mas vamos fingir que é tudo a mesma coisa, em nome da graça.

Construído em arenito vermelho, o Palácio de Scone é um dos melhores exemplos do estilo gótico georgiano tardio no Reino Unido, e foi terminado em 1808. Mas o lugar é bem mais antigo que isso. Existia, no local, uma igreja cristã primitiva e, mais tarde, um convento agostiniano. No século XII, o convento ganhou status de abadia e se tornou residência do abade, e por isso o título de “Palácio” existe até hoje.

Em 1559, John Knox e sua gangue danificaram a abadia severamente (falei deles e dessa mania de sair destruíndo castelos e igrejas neste post). Após as Reformas (tanto a religiosa quanto a do pedreiro), não podendo mais ser um local católico, a abadia se transformou em residência dos condes de Mansfield, e segue sendo assim há mais de 400 anos. E foi um deles que ampliou o que restava da abadia e construiu o Palácio que se vê hoje.

Os atuais proprietários do Scone Palace, a condessa e o conde de Mansfield. Percebam a simplicidade, apesar do luxo da residência e dos títulos. Isso sim é nobreza, na minha opinião.

Além dos jardins, o interior do castelo também pode ser visitado, entre abril e setembro, em tempos normais (leia-se, sem epidemia). A coleção de artes, adquirida ao longo dos séculos, é de tirar o fôlego. Alguns dos itens principais são uma escrivaninha presenteada por Maria Antonieta (a dos brioches, mas acho que também gostava de scone) e uma peça de tapeçaria feita pela Rainha Mary Stuart, da Escócia, enquanto estava presa no Castelo do Loch Leven – contei esta história aqui neste post.

Mas uma das peças que mais chama a atenção é um quadro de 1779, retratando duas jovens primas: uma branca, Lady Elizabeth Murray, e uma mulata, Dido Elizabeth Belle. Ambas eram sobrinhas do Conde de Mansfield da época, William Murray.

O quadro. Elas eram primas e melhores amigas.

A história de Dido é muito interessante e até virou um filme, que já assisti e super recomendo. Além de lindo, mostra o quanto essas questões de raça e pertencimento eram ainda mais complicadas naquela época. Dido tinha sangue nobre, e era herdeira de uma grande fortuna, mas sua mãe era escrava e sua pele era escura, e essas coisas todas (nobreza e riqueza + raça) tinham pesos conflitantes na sociedade do século XVIII. O filme se passa na Inglaterra, onde o Conde morava com sua família, mas o quadro está hoje no Scone Palace, aqui na Escócia.

O filme. Assistam se puderem, é lindo!

Mas a coisa mais importante mesmo de Scone é que este foi o local de coroação dos Reis da Escócia desde pelo menos o século IX. A coroação acontecia com os reis ajoelhados sobre a Pedra de Scone, ou Pedra do Destino. Eu contei a história desta pedra super especial neste post aqui, mas ela é, basicamente, uma pedra sagrada cerimonial que legitima o poder real. A original está hoje no Castelo de Edimburgo (embora alguns acreditem que não seja a verdadeira, como contei no post sobre ela) mas uma réplica foi colocada em frente à pequena capela de Scone:

Réplica da Pedra de Stone

No chão, estão nomes e datas de reis escoceses que foram coroados aqui, como o primeiro rei da Escócia, Kenneth MacAlpin, Robert the Bruce e Macbeth – sim, o de Shakespeare.

Também é um bom lugar para quem quer ver as famosas “hairy coos”, as vaquinhas “de franja” aqui da Escócia. Sempre tem várias nos campos ao redor do Scone.

Tem também um labirinto-tartan com uma fonte no meio:

E um pavão que se acha o dono do castelo e fica circulando por todo canto:

😍

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  1. Rebeca

    Maravilhoso Castelo, não tive oportunidade de visitar qdo estive na Escócia em novembro passado. Assisti Belle o filme , ótima retratação dos costumes da época, super índico adorei visitar Scone com vc

  2. Mércia

    Amei demais a matéria, inclusive já vi o filme Belle duas vezes, é maravilhoso! Quando vi o quadro já reconheci de cara. Obrigada por compartilhar tantas coisas boas!!

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